Fortalecendo o semiárido: capacitação em reuso de água cinza é realizada pelo Centro Feminista na Agrovila Palmares em Apodi/RN

Como forma de apresentar novas tecnologias e para fortalecer a produção, a organização e a resistência do povo do semiárido, foi realizada de 11 a 15 de novembro a Capacitação em Reuso de Água Cinza promovida pelo Centro Feminista 8 de Março na Agrovila Palmares, no município de Apodi/RN. A ação aconteceu como parte do projeto “Mulheres do semiárido: água para produção, economia solidária para comercialização”, com fomento da Fundação Banco do Brasil e parceria e co-financiamento da União Europeia.

10 mulheres rurais participaram do curso – duas de Caraúbas, duas de Mossoró e seis de Apodi – em dias intensos de muito trabalho, empenho, dedicação e momentos de descontração. Leila Pereira e Alexsandra Farias (de Caraúbas), Francisca Linhares e Selminha Feitosa (de Mossoró), Maria da Conceição, Maria Ângela, Maria Sueli, Ivonilda Sousa, Rita Gomes e Elizete Silva (de Apodi) se dedicaram integralmente para entender e repetir os passos de Linda Martins, facilitadora da capacitação, em um processo rico de troca de conhecimentos e construção coletiva.

O curso começou com uma apresentação coletiva, em que era possível ver a empolgação das mulheres, e que contou com a presença de Ivone Brilhante, do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) de Apodi; a exposição da maquete do reuso, explicada por Ivi Aliana Dantas, agrônoma do CF8 e coordenadora do projeto “Mulheres do Semiárido”, e uma visita à escavação. Ivi Dantas apresentou os detalhes da estrutura e dos processos e enfatizou que a água reaproveitada pela tecnologia do reuso “é uma água que faz diferença na produção, por ser rica em nutrientes”.

Decidida a construir o reuso em seu quintal, Selminha Feitosa, do Sítio Hipólito, município de Mossoró, acredita que “ter os dois [cisterna calçadão e reuso] em casa é muito importante, pois vai aumentar a minha produção, e com o reuso vai ser um reforço pra reaproveitar a água”, explicou.

Jornada de aprendizados e conscientização pessoal

Após esse primeiro momento e como em todos os outros dias pela manhã, foi feita uma pausa para um lanche reforçado para garantir a energia durante o curso. As atividades desse dia começaram à tarde e seguiram até o início da noite. Todos os passos eram realizados conjuntamente e, quando a etapa era individual, cada uma fazia o movimento ou o passo com o acompanhamento de Linda sob o olhar atento das demais. Sempre em experiências coletivas, aprenderam sobre as ferragens, a confecção das placas das paredes, da cobertura e das divisórias do reuso.

No dia seguinte os trabalhos começaram com o nascer do sol. Às cinco da manhã já se via mulheres preparando massa, carregando placas. Admirava ver a força daquelas que repetiam a expressão falada no curso por Francisca Linhares, mais conhecida como Nega: “nem eu sabia que sabia fazer isso”. Elas riam e se impressionavam com a capacidade que tinham de entender e repetir as orientações passadas por Linda Martins, que também aprendia com as mulheres lições de força e perseverança.

Nesse dia, as mulheres confeccionaram as lajes do reuso, nivelaram o chão para a base e construção do reservatório, do tanque-séptico e do filtro. Também foram feitas as vigas de sustentação, a montagem, amarração e reboco das placas.

O serviço não parava nem quando a lua apontava na noite do semiárido, evidenciando a iluminação precária do lugar: elas mesmo assim continuavam. Trouxeram para a escavação uma extensão elétrica e cada uma, revezando, segurava uma lâmpada apontando para a construção. Enquanto isso, as outras ficavam de um lado para outro carregando ferramentas pesadas, carrinho de mão em corredores estreitos de terra.

A noite sempre terminava com um jantar, uma breve conversa comentando os assuntos mais engraçados do dia, as atividades que mais chamaram atenção e os aprendizados que adquiriram. Além disso, era o momento em que paravam para ligar para suas famílias, seus maridos: era de se perder as contas a quantidade de vezes em que se ouvia celulares tocarem pela casa de apoio ou mesmo sons de vibração de alerta de mensagens. Elas não levavam telefones para a obra, estavam totalmente focadas na capacitação.

Nos dias seguintes as mulheres já admitiam certo cansaço, mas não se deixavam abater. Mesmo na adversidade, persistem na continuação das atividades. Durante a manhã, aterraram os buracos do reuso, montaram placas, amarraram o reboco dessas mesmas placas, rebocaram e revestiram o piso. Pela tarde e início da noite, cuidaram do encanamento das saídas de água da casa, montaram e rebocaram divisórias, montaram e revestiram a cobertura do reuso.

Socialização e visibilização do trabalho doméstico e de cuidado

Nos últimos dias de curso algo chamava a atenção: o toque dos celulares, que desde o início fazia parte do som ambiente, havia parado. Esse episódio permitiu observar que, embora as mulheres estivessem fora de casa, em uma outra atividade, trabalhando, ainda assim elas eram responsáveis pelo trabalho de cuidado e doméstico que ficou em casa, já que no início da semana os telefones tocavam quase o tempo todo.

Essa saída das mulheres fez com que acontecesse a socialização do trabalho doméstico, estimulando a iniciativa de outras pessoas para que as demandas domésticas fossem realizadas, já que a divisão sexual do trabalho faz com que as mulheres fiquem sobrecarregadas. É possível ainda perceber a visibilização de um trabalho feito todos os dias por elas mas que é invisível, notado apenas quando não é realizado.

Uma semana, inúmeros aprendizados

Chegado o dia de concluir a construção do reuso, as participantes logo cedo começaram a trabalhar por iniciativa própria, antes mesmo de a facilitadora iniciar as atividades de orientação. Empolgadas, deram continuidade aos acabamentos do filtro do reuso e diziam que agora podem até fazer serviço de pedreiro porque aprenderam a rebocar, fazer placas. Colocavam a mão na massa literalmente: pegavam o cimento com as mãos para caprichar no reboco dos cantinhos das paredes. Nega sentou na areia fofa para fazer consertos na caixa de gordura. Por fim, Paula Cristina de Morais, agrônoma do CF8, deu orientações para o processo de irrigação.

Com muita comemoração, vibrou-se a conclusão do reuso de água cinza construído no quintal da casa de Ivonilda, mais conhecida como Nova. Em clima ameno, agradável e com a presença de Rejane Medeiros, técnica e integrante da coordenação do Centro Feminista, e Tia Ilma, do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) de Caraúbas, houve uma avaliação do curso e uma conversa sobre o significado de participar dessa capacitação.

Rejane bem lembrou que “quando a gente [as mulheres] tá no sindicato, quando a gente tá na comissão de mulheres, quando a gente vai fazer um curso juntas, quando a gente ocupa vários espaços e quando a gente assume o desafio juntas, a gente tem muito mais capacidade e muito mais condição de dar certo, porque a força coletiva é muito maior”.

Após conhecer os detalhes e o processo da obra, Leila Pereira e Alexsandra Farias (de Caraúbas) e Francisca Linhares e Selminha Feitosa (de Mossoró) se colocaram à disposição para construir o reuso em seus quintais.

Para Sueli Oliveira, da Agrovila Palmares, o sentimento é de muita “alegria e gratificação”, pela boa convivência entre todas, pela parceria com o Centro Feminista 8 de Março e também porque muitas delas não acreditavam que seriam capazes de fazer e aprender tanto.

Tão animada quanto Sueli, Selminha, de Mossoró, avaliou que tão importante quanto possuir o reuso é a oportunidade de aprender como fazer a tecnologia: “a gente sempre vê só os homens construindo, mas quando é uma coisa que vem pra gente construir é uma satisfação, uma coisa que levantou a minha autoestima. Quando terminar de construir a minha eu vou dar pulos de alegria”.

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