“Quanto mais mulheres falam sobre essa questão, mais o assunto ecoa na sociedade e a gente consegue transformar”
Mais de 100 mulheres dos territórios Açu-Mossoró, Terras Potiguaras, Sertão do Apodi, Mato Grande, Trairi e Seridó estiveram reunidas no dia 19 de setembro em Natal para participar do Seminário As mulheres no mundo do trabalho e o trabalho na vida das mulheres. O encontro aconteceu no auditório da Central de Comercialização da Agricultura Familiar e Economia Solidária (CECAFES) e foi realizado pelo Centro Feminista 8 de Março (CF8) em parceria com a Rede Xique-Xique, a ActionAid Brasil, a Fundação Banco do Brasil e co-financiado pela União Europeia.
O seminário começou com a intervenção da Batucada Feminista da Marcha Mundial das Mulheres, que contagiou as companheiras presentes com palavras de ordem sobre o mundo do trabalho. Entoadas por músicas do movimento, a Batucada chamava as companheiras que se levantavam de suas cadeiras demonstrando animação e afirmando de onde vinham.
Ivi Aliana Dantas, agrônoma da equipe técnica do Centro Feminista, deu as boas-vindas às mulheres e apresentou os objetivos do seminário, que foi dialogar sobre os dados oficiais do RN e trazer para o debate as diferentes experiências sobre mulher e trabalho que são construídas no estado tanto no campo quanto na cidade, “tanto as mulheres agricultoras quanto as mulheres urbanas, artesãs e as mulheres no mercado formal de trabalho”, ressaltou.
A primeira mesa, As mulheres no mundo do trabalho e o trabalho na vida das mulheres, deu início ao seminário, tendo como palestrante Miriam Nobre, militante da Marcha Mundial das Mulheres e mestre em estudos na integração da América Latina, com a contribuição de Marilane Teixeira, doutora em Economia e pesquisadora da Unicamp na área de relações de trabalho e gênero.
Em sua apresentação, Miriam solicitou que as mulheres se dividissem em pequenos grupos e refletissem sobre os principais desafios enfrentados por elas no mercado de trabalho atualmente. Francinaire Moura Almeida, de Carnaubais, falou que seu grupo detectou como desafios a dupla jornada, o assédio e a falta de credibilidade no trabalho das mulheres. “Outro ponto que nós colocamos é que as mulheres não têm muita credibilidade no seu local de trabalho. Então nós temos essa atividade diária de não se abater com esse pensamento relativo e enfrentar a sociedade para mostrar nossa competência” e, por isso, afirmou que “quanto mais mulheres falam sobre essa questão, mais o assunto ecoa na sociedade e a gente consegue transformar”.
Outros grupos pontuaram que as mulheres são desafiadas pelo machismo, pela sociedade patriarcal, pela falta de capacitação profissional, ausência de apoio financeiro do poder público, falta de segurança nas ruas e de creches, pela exigência de um padrão estético, por uma conjuntura de retirada de direitos, pela falta de oportunidade e de emprego para mulheres negras e jovens, entre outras dificuldades.
Logo após a socialização dos resultados, Miriam Nobre retomou a discussão abordando como as mulheres se sentem no universo trabalhista: “muitas vezes as mulheres se sentem estrangeiras no espaço do trabalho, como se não tivesse [para elas] espaço e não fosse, de início, um espaço seu”. Além disso, salienta que “as mulheres também enfrentam a sobrevalorização da formação profissional e acadêmica dos homens, que faz com que as mulheres tenham que estudar muito mais para ocupar os mesmos postos de trabalho”.
A palestrante apresentou dados que mostram que a cada 10 mulheres negras empregadas, 4 não contribuem com a previdência e que, das 6 que contribuem, pelo menos 2 provavelmente não vão conseguir se aposentar com a aprovação da nova previdência. Miriam falou também em segurança e desigualdade social e salarial, do processo de modernização do trabalho, do índice de desemprego, da reforma trabalhista e da previdência, em especial a rural, assim como da fragilização dos sindicatos, do endividamento e da conjuntura de insegurança e retrocessos para os trabalhadores e as trabalhadoras no Brasil.
À tarde foi realizada a segunda mesa do seminário, Onde estão as mulheres no mundo do trabalho no RN. As convidadas foram Marilane Teixeira; Winifred Knox, doutora em Ciências Sociais e professora do Departamento de Políticas Públicas da UFRN; Conceição Dantas, coordenadora do CF8 e doutora em Ciências Sociais e Neneide Lima, coordenadora da Rede Xique-Xique de Comercialização Solidária.
Marilane iniciou a segunda mesa apresentando dados que evidenciam a disparidade da presença feminina no mercado de trabalho no estado do RN: a cada 100 pessoas com Idade Econômica Ativa (IEA), 52,5% são mulheres, mas apenas 46% estão de fato inseridas no mercado de trabalho. Outro dado alarmante apresentado foi o de que mais de 50% dos trabalhadores e das trabalhadoras do estado estão inseridos no mercado informal.
A professora Winifred Knox, do Departamento de Políticas Públicas da UFRN, deu continuidade à segunda mesa trazendo para o debate temas como os avanços para as mulheres no período pós-Ditadura Militar, o resgate das conferências de políticas públicas para as mulheres, os direitos sexuais e reprodutivos e a conjuntura e o discurso de retrocessos liderados pelo Governo Federal.
Conceição Dantas, coordenadora do CF8 e doutora em Ciências Sociais, enfatizou como o Centro Feminista tem construído o tema mulher e trabalho. Mencionou que essa temática envolvendo as mulheres rurais deve ser analisada a partir da economia feminista. Nessa perspectiva, destacou dois exemplos de ações desenvolvidas pelo CF8 que traz a temática como referência: 1) a construção da Rede Xique-Xique é apresentada como uma experiência ancorada na economia feminista e 2) a Assessoria Técnica (ATER) para as mulheres, executada pelo Centro, busca reorganizar a economia local e a lógica de execução da política pública para as mulheres rurais, compreendendo o cuidado e o afeto como parte constitutiva e orientadora da assessoria técnica.
Concluindo o debate, Neneide Lima, da Rede Xique-Xique, ressaltou que “a economia solidária permite a gente se inserir no mundo da política, pois ao vender a gente precisa sair de casa e que, ao conseguir renda, se altera as regras da família”. Ela disse ainda que a economia solidária possibilita inserir a juventude no mundo do trabalho de maneira inclusiva.