A partir de hoje, dia 1, até o dia 7 de setembro, ocorrerá em todo o país o plebiscito popular por uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político, organizado por cerca de 420 organizações em todo país. Milhões de brasileiros e brasileiras irão opinar se concordam com uma reforma nas regras que organizam a política atualmente.
Depois que os e as jovens saíram às ruas em 2013 no que ficou conhecido como as jornadas de junho, descontentes com o transporte público, com a saúde e com a educação, deixaram claro que a distância entre a população e seus representantes é imensa, o congresso que aí está não os e as representa, pois não estão interessados em atender os interesses do povo e sim aos interesses das grandes empresas, dos grandes fazendeiros e também de grandes igrejas (que não podemos esquecer, também detém poder econômico).
Estas fontes empresariais são as financiadoras de mais de 90% das campanhas eleitorais, atrelando os interesses dos eleitos a quem “paga a conta”, além de criar barreiras para que pessoas com propósitos diversos aos interesses empresariais, como representantes de movimentos populares ou qualquer pessoa comum, consigam ser eleitos. Atualmente, com menos de 1 milhão de reais é bem difícil fazer uma campanha que pague “marqueteiros” que tornem alguém elegível.
Assim, este congresso nacional que representa o poder econômico, branco, masculino e heterossexual, composto por 91% de homens e no qual nem todas as mulheres que compõe a bancada feminina são feministas, comprometidas com o interesse das mulheres da classe trabalhadora, não é capaz de representar as necessidades das mulheres!
Nós, mulheres, precisamos de leis e políticas públicas que enfrentem as opressões e explorações históricas que sofremos. Precisamos, portanto, de representantes que estejam no poder com a clareza de atender nossos interesses. Um exemplo disso é a garantia efetiva de creches públicas e de qualidade, que é uma reivindicação central para o movimento feminista, na medida em que dialoga com a problemática da divisão do tempo da mulher entre trabalho assalariado e trabalho doméstico. Essa pauta também permite colocar em discussão a socialização do trabalho doméstico e de cuidados com o Estado – lembrando que é preciso também o compartilhamento dessas tarefas com o/a companheiro/a. E não se pode esquecer que a necessidade de creches é uma luta também pela educação infantil de qualidade, que perpassa pelo investimento em infra-estrutura valorização profissional das educadoras de ensino infantil, predominantemente mulheres. Aliás, valorização da profissão docente como um todo cai muito bem às mulheres, que predominam na categoria no país.
Neste sentido, precisamos de políticas publicas de combate ao machismo que visem desconstruir a naturalização das desigualdades existentes entre os sexos e fortaleçam a autonomia econômica das mulheres. Contudo, a luta pela valorização do nosso trabalho, marcada pela reivindicação histórica do movimento feminista por “salário igual para trabalho igual”, é uma das que está há tempos travada no atual Congresso Nacional, que, como já dito, defende predominantemente interesses dos empresários e latifundiários.
As mulheres seguem ganhando cerca de 70% do salário dos homens, seu trabalho assalariado é considerado de menor valor, além de realizar gratuitamente e quase exclusivamente o trabalho doméstico. E a ideia de que o trabalho executado pelas mulheres é um trabalho para o qual pode-se pagar menos – por ser considerado renda complementar (um absurdo em um país onde o número de mulheres que são as principais responsáveis financeiras da família não para de crescer) – é um elemento essencial que oculta a exploração sobre o trabalho na sociedade capitalista.
Um outro ponto de extrema importância são as políticas de combate à violência contra a mulher. O Estado de São Paulo, por exemplo, segundo confirmou a CPMI da violência contra a mulher, é um dos que menos investe nesse combate, sendo que é o estado mais rico da nação. Desde a criação do disque 180, São Paulo tem liderado o número de denúncias de violência doméstica, e o 190 da política do estado revelou que a maioria das ligações atendidas são de caso de violência contra a mulher. Ou seja, o poder público tem conhecimento da dimensão desse tipo de violência no Estado, o que, sem dúvida, é o pontapé inicial para a construção de políticas públicas de prevenção e atenção às vítimas de violência. Porém, o que vemos é a precariedade dos serviços – tanto em sua qualidade como na quantidade -, pouco investimento por parte do governo estadual, deixando tudo a cargo dos municípios, o que é insuficiente para melhorar a atual situação.
Isso acontece porque temos um governo e parlamentares (a grande maioria) não interessados em mudar essa situação. Para que se tenha uma ideia, o governo do Estado de São Paulo (eternamente nas mãos do PSDB) foi o último a assinar o Pacto Nacional de Enfrentamento à violência contra a mulher, e só o fez por pressão do movimento feminista!
Também é preciso haver políticas públicas que reconheçam, garantam e aprofundem os direitos das mulheres à saúde integral, isto é, que reconheçam que o acesso à saúde das mulheres não é necessário apenas quando engravidam, mas em todas as fases da vida, inclusive com medicina preventiva. E que haja o respeito ao caráter laico dos serviços públicos de saúde, que não podem se negar a fazer laqueaduras ou abortos legais, que são direitos já garantidos e precisam inclusive ser ampliados.
Necessitamos urgentemente de avanços legais no sentido de retirada da prática do aborto da esfera criminal, passando a ser reconhecido pelo que na prática já é: como um caso de saúde pública, que pode gerar mortes ou danos sérios à saúde de gestantes por abortos inseguros, bem como um problema de (in)justiça social, já que o não acesso ao aborto realizado de forma segura é realidade especialmente pela maioria da população feminina, pobre, negra e usuária dos serviços públicos de saúde. A atual legislação em relação ao aborto, já restritiva aos direitos das mulheres e constantemente ameaçada pelo Congresso Nacional, reforça a pressão pela maternidade compulsória sobre as mulheres pobres (que não conseguem pagar por abortos seguros e não querem se arriscar nos inseguros), que muitas vezes ainda precisam criar seus filhos sozinhas.
E o que essas questões têm a ver com a reforma do sistema político pela qual lutamos? Como ela se conecta com a possibilidade de avanços dos direitos das mulheres? O mesmo Congresso que não quis convocar um plebiscito para que a população respondesse se quer ou não uma Constituinte Exclusiva do Sistema Político em 2013 (porque é avesso à participação popular) é o Congresso que trava avanços nas políticas públicas das mulheres, porque é avesso ao avanço democrático das mulheres na sociedade, com autonomia econômica e acesso pleno a direitos sociais.
O mesmo Congresso que em sua maioria pouco se importa em propor medidas que garantam que mães tenham condições de criar seus filhos, com leis que combatam a desigualdade salarial entre homens e mulheres ou com políticas públicas como a efetivação do direito às creches, são os que constantemente ameaçam retirar os direitos da mulher a escolher ser ou não mãe, com propostas de lei absurdas como Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), proposto por Luiz Bassuma. O Senado têm representantes que atuam pelo reforço à criminalização das mulheres que realizam aborto, como o relator da reforma do código penal, Pedro Taques. Esses eleitos que não nos representam também estão nas Câmaras de Vereadores, algumas sem uma única mulher, propondo veto de distribuição de contraceptivos.
Somente com uma reforma política que possibilite a participação de representantes comprometidas/os com as lutas do movimento feminista, eleitas/os em um sistema político sem financiamento privado é que conseguiremos avanços significativos em nossas lutas históricas!
Se você também fica indignada/o com a atual forma de se fazer política e com a não representatividade das mulheres e, principalmente, das pautas das mulheres nos espaços de poder, some-se a essa luta com a gente! Até o dia 07 de setembro, procure uma urna para votar ou monte a sua! É simples e ao mesmo tempo crucial a participação de cada pessoa sensível à pauta feminista neste plebiscito!
Para mais informações sobre a campanha, locais de votação e como contribuir com o plebiscito, acesse o site: www.plebiscitoconstituinte.org.br
*Flávia é militante da Marcha Mundial das Mulheres do ABC, São Paulo.