Em cada planta, uma esperança. A cada semente, a perseverança da vida que pulsa. É no semiárido potiguar, mais precisamente no Assentamento Maurício de Oliveira, zona rural da cidade de Assu/RN, que Ana Maria da Silva Gomes, 49 anos, junto com o marido Damião da Silva Gomes e seus três filhos cultiva, em seu quintal de 50x100m, uma média de 90 plantas diferentes e, numa dispensa da casa, guarda mais de 100 tipos sementes.
Nascida em Ipanguaçu, aos dois anos, Ana se mudou para o Vale do Assu e, ainda criança, começou a lidar com agricultura trabalhando com o seu pai. Depois de casada, Ana seguiu na agricultura junto ao marido: “plantei muito em terras alheias de meia, de terça. Muito trabalho e pouca renda. Tempos difíceis” e explica: “quem planta quer terra, precisa de terra, por isso que a gente entrou na luta e foi aí que eu fiquei acampada na BR 304 e junto com os companheiros, depois de mais de três anos de acampada, conquistamos a terra.”
Durante o acampamento, Ana passou a fazer parte das capacitações promovidas pela Comissão Pastoral da Terra – CPT. Após a conquista da terra, começou a receber assistência técnica do Centro Feminista 8 de Março – CF8 e percebeu que o espaço da mulher é bem mais amplo do que a casa. Vencendo a resistência de Damião, Ana foi dando vários passos em direção à sua autonomia. Começou a participar de cursos, reuniões e intercâmbios com outros agricultores/as familiares. Fez curso pra aprender a construir cisternas, telas de galinheiro. De tudo ela faz um pouco, mas a sua maior paixão são as suas sementes.
Filha de agricultores, Ana aprendeu do seu pai, que aprendeu do seu avô, e assim passando de geração em geração, a guardar sementes. Apaixonada pelo o que faz, Ana tem o costume de guardar sementes crioulas desde criança quando aprendeu que: “é muito importante guardar as sementes puras pra plantar o alimento que sustenta nossas vidas”. E através de suas experiências com movimentos e organizações que trabalham com a agroecologia, Ana, que já era coletora de sementes crioulas, ou seja, sementes tradicionais sem alterações, passou a ser coletora e guardiã também de sementes nativas, enfatizando a importância de recuperar e restaurar áreas devastadas.
No banco de sementes de Ana tem mufumbo, catanduba, imburana, sabiá, angico, mucuna, lírio branco, feijão, milho, gergelim preto, entre outras, e de diversas origens Em pequenas garrafas peti organizadas e identificadas pelos nomes, Ana cuida das sementes que encontrou na mata, colheu e/ou trocou em intercâmbios e momentos de formação.
No assentamento Maurício de Oliveira moram 70 famílias e Ana conta que a maior dificuldade do local é a falta de água: “já foram furados 3 poços mas secaram rápido. Tem vez que a gente fica até 8 dias sem água dentro de casa. Então eu economizo muito. E também o que ajuda é eu ter as cisternas, né?”. Ana Possui as cisternas para armazenamento de água para consumo doméstico e produção. A última, a de produção, ela mesma construiu depois que aprendeu em um curso de cisterneira que fez pelo CF8.
Mas se tem algo além da economia de água que potencializa o trabalho de Ana, é o seu banco de sementes. Um banco de sementes serve como garantia para produtoras e produtores rurais, pois mesmo os melhores exemplares podem sofrer com problemas climáticos, como a falta de água, no caso de Ana, e as sementes estocadas podem ser usadas para recuperar a produção. Sem falar que as sementes crioulas são essenciais para a preservação do patrimônio genético das espécies na garantia da manutenção de valores culturais de comunidades agrícolas
Como agricultora experimentadora, Ana trabalha de forma agroecológica, sempre em busca de uma boa convivência com o semiárido e aberta para troca de conhecimentos e cooperação com a comunidade, como em atividades da parceria do Centro Feminista com a ActionAid, em que as crianças visitam e aprendem sobre a importância de cultivar os bons alimentos, cuidar da terra, da água, guardar sementes.
“Todo mundo que chega aqui se admira do meu quintal. Aqui tem de tudo mas eu demorei pra que ele ficasse assim, fruto de muito trabalho. A gente tenta multiplicar o que aprende porque a nossa vida no planeta depende disso, né? Antes eu não tinha nada e hoje eu tiro meu sustento e da minha família daqui do meu quintal. A gente tem comida saudável na mesa e ainda sobra pra vender. Tenho minhas mudas, minhas sementes, é um mundo esse meu quintal. E vamos trabalhar para semear mais dentro e fora do quintal.”. E é assim, plantando, colhendo, guardando e semeando que Ana ensina e faz o legado da vida.