Alvani e a convivência com o semiárido pela Água viva

Alvani 3 - Foto de Wigna Ribeiro

Em Monte Alegre, assentamento de Upanema/RN, falta água o ano todo. Mas é lá que há tantos anos existe e resiste o grupo de mulheres Unidas para Vencer. Quem faz parte deste grupo e topou o desafio de construir e utilizar uma tecnologia social de reuso de água para garantir a produção no quintal e uma melhor convivência com o semiárido foi Maria Alvani Pereira.

Dona Alvani tem, hoje, 54 anos, e desde os 10 que trabalha com agricultura. Sempre morou na região próxima à Monte Alegre e em 99 conseguiu se tornar uma assentada. Ao longo do trabalho de auto organização e assistência técnica do Centro Feminista em Monte Alegre, as mulheres passaram a se auto organizar em grupo e a participar de diversos movimentos e projetos produtivos. Foi assim que Dona Alvani, que antes trabalhava no roçado com o marido plantando feijão e milho, a partir de 2006, passou a produzir em seu quintal: “eu tinha uma área aqui na minha casa que não era utilizada. Hoje eu planto minhas hortaliças, minhas plantas, que servem pro consumo e pra eu vender por aqui também. Foi a melhor coisa que eu fiz.”.

No entanto, grande era o desafio para produzir nos quintais devido à escassez de água na região. Com o contexto de estiagens constante, as mulheres viram a necessidade de reutilizar a água e a partir de seus saberes e experiências e da matéria prima que existe na comunidade nasce, em 2013, a “Água Viva.

Dona Alvani explica sobre o processo de aceitação e construção do filtro de reuso de água: “no começo eu não botava fé, não. Mas aí eu pensei que tinha que tentar. Era eu e mais duas e só de não tá sozinha a gente se sente fortalecida, a gente acredita e faz a coisa acontecer, né?”.

O sistema Água Viva é uma tecnologia social fruto de uma construção coletiva das mulheres do Assentamento Monte Alegre I, Upanema (RN), Centro Feminista 8 de Março e professores e estudantes da Universidade Rural do Semiárido – UFERSA, co-financiado pela União Europeia, em resposta à necessidade de armazenamento e reuso de água para estimular a produção das agricultoras em seus quintais objetivando o desenvolvimento de autonomia, soberania alimentar, produção agroecológica, economia solidária e uma melhor convivência com o semiárido. Uma tecnologia simples que consiste em filtrar a água do consumo doméstico – da lavagem de louças, roupas e do banho – tornando-a boa para regar frutíferas e hortaliças cultivadas pelas mulheres.

Antes de chegar ao seu destino final, a água que seria descartada passa por um processo de purificação por meio de filtros orgânicos, caixas e tubos instalados nas propriedades. A filtragem é feita com a utilização de produtos extraídos da região, como a palha de carnaúba e a fibra do coco triturada. Depois disso, o sistema de irrigação das hortaliças ocorre por meio de gotejamento.

De acordo com Ivi Aliana, agrônoma do Centro Feminista, o sistema “Água Viva” é capaz de garantir água adequada para o cultivo agrícola, pois além de livrar de bactérias prejudiciais e conservar alguns nutrientes como fósforo e cálcio (contidos nos resíduos acumulados na água cinza), aduba melhor a terra para a produção.

O reaproveitamento da água cinza serve para amenizar o esforço das mulheres na busca da água – que assim como a natureza, o tempo e trabalho das mulheres não são inesgotáveis –, fazer o escoamento e contribuir com o saneamento dos quintais. Além disso, a reutilização da água possibilita a continuidade da produção de alimentos que pode ser voltada ao consumo próprio, garantindo soberania alimentar, como também para vender na própria comunidade, gerando renda e autonomia.

Alvani 4- Foto de Wigna Ribeiro

Orgulhosa de sua experiência com o filtro, Dona Alvani conta que: “só não pode molhar as hortaliças e as folhas, mas o resto a gente molha e tenho pra mim que essas águas do filtro são até melhor do que a ‘normal’ porque a gente rega e as plantas parece que ficam mais fortes, mais bonitas”, e acrescenta: “esse filtro foi uma coisa muito boa que aconteceu pra mim. A minha produção aumentou muito.”.

O entusiasmo de dona Alvani estimula outras mulheres da comunidade a fazer o mesmo processo de engajamento no movimento, do reaproveitamento da água e de enxergar a produção e comercialização de alimentos produzidos no quintal como fonte de renda e autonomia. O que inspira até mesmo as crianças como Ivny Jordana que começa a criar a gosto pela agricultura, como se vê na foto abaixo.

Alvani 7 - Foto de Wigna Ribeiro

Em 2015 o Sistema Água Viva ganhou prêmio pela Fundação do Banco do Brasil e o Centro Feminista teve a oportunidade de multiplicar essa experiência em mais quintais de Monte Alegre e de outras comunidades.

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