Via Marcha Mundial das Mulheres – marchamulheres.wordpress.com
Nos últimos anos, uma preocupação que acomete a todo o movimento feminista (e não só) é o aumento do conservadorismo no Brasil. Lado a lado com o aumento de uma suposta maior liberdade sexual, o discurso mais escancaradamente conservador – contra os direitos das mulheres, particularmente os sexuais e reprodutivos, direitos da população LGBT e ataque às religiões da população negra – vem tornando-se cada vez mais visível e com mais adeptos.
Podemos citar vários casos recentes: o recuo na distribuição do kit anti-homofobia nas escolas, as dificuldades impostas à aprovação do PL122 (que criminaliza a homofobia), o avanço do Estatuto do Nascituro (que quer obrigar as mulheres grávidas em decorrência de um estupro a terem o filho), a reação à lei sancionada por Dilma no ano passado, que obriga o SUS a prestar atendimento emergencial e multidisciplinar às vítimas de violência sexual, o recuo à aprovação da Portaria 415, que regulamenta essa mesma lei (efetiva o aborto, prevendo orçamento específico, por exemplo), e também a não inclusão da discussão de gênero no Plano Nacional de Educação – também por conta da pressão principalmente desses setores religiosos.
Não esqueçamos, ainda, da forma como foi tratada a questão do aborto nas últimas eleições presidenciais, em 2010. O tema foi tratado de forma bizarra, tentando colar na Dilma a imagem de “abortista”, usando o tema claramente como arma eleitoral. Fez-se um debate de cunho moral, que, ao final, fez com que a atual presidenta declarasse que não faria nada para mexer na atual legislação sobre o aborto.
Num primeiro momento, podemos ficar indignados com essas e outras “escorregadas” do governo. Puxa, mas por que raios recuar na distribuição do kit anti-homofobia? Por que recuar numa portaria tão importante para as mulheres, como a que regulamenta a lei sobre o aborto em caso de estupro?
Claro, é possível fazer mais. Obviamente, não dá pra simplesmente transplantar exemplos, mas um ótimo modelo de como “é possível fazer mais” é o programa “Mais Médicos”. O programa enfrentou grande resistência de setores conservadores da sociedade e é, bom, um sucesso.
Mas, indo além daquilo que é vontade ou não da Dilma, e do governo como um todo: como é que esses setores religiosos têm tanta força pra conseguir impor suas vontades? Afinal, se dependesse só da vontade da Dilma, provavelmente estaríamos melhor.
Quando pensamos em religiosos fundamentalistas atuando na política, pensamos principalmente nos evangélicos, porque eles fazem questão de aparecer mais. Porém, precisamos lembrar de que eles não são os únicos religiosos na política, muito menos os únicos que atuam visando minar nossos direitos (Luiz Bassuma, por exemplo, autor do Estatuto do Nascituro, é espírita).
A entrada de evangélicos na política é mais recente que os católicos, começando mais ou menos na eleição para a Assembléia Nacional Constituinte, em 86. É aí que os evangélicos começam a se organizar para eleger seus representantes, afirmando coisas como que a nova constituinte poderia aprovar coisas como a legalização do aborto (lembra alguma coisa?). Importante lembrar que o pré-projeto da Constituinte afirmava que a vida se dava desde a concepção e, não fosse pressão do movimento feminista, isso não teria mudado e hoje estaríamos em uma situação muito pior na luta pela legalização do aborto.
Enfim, os evangélicos conseguem eleger vários, vários representantes para o Congresso. E, vejam só que curioso: em troca do apoio à emenda que estendia o mandato do então presidente Sarney, foram distribuídas as concessões de rádio e TV no Brasil, e parlamentares evangélicos estavam entre os que foram beneficiados.
Estamos falando, portanto, de grupos que não só tem seus candidatos, que participam formalmente da política, mas de grupos que têm grande poder midiático. O Congresso é um espaço dominado pelo poder econômico, então, não é coincidência que a quantidade de grupos religiosos lá dentro tenha aumentado cada vez mais, especificamente desses grandes setores – só para se ter uma idéia, o número de candidatos pastores evangélicos aumentou 70% nestas eleições se comparado a 2010.
Conforme Glauco Faria cita em um artigo publicado na Revista Fórum (“Quando Deus pauta a política”):
Levantamento feito por Figueiredo Filho com dados da Anatel e da Abert, em março de 2006, mostra que 25,18% das emissoras de rádio FM das capitais brasileiras são evangélicas, sendo que 69,11% destas pertencem ao campo pentecostal, com domínio da Igreja Universal do Reino de Deus, que detém 24 emissoras. Já entre as AM, a proporção é de 20,55%, sendo que a Assembleia de Deus possui nove emissoras. Segundo o cientista político, “o rádio configura o dizer e o fazer dos atores políticos que representam esses grupos evangélicos”. E há mais dados sistematizados por ele para confirmar isso. Em 2003, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara tinha 51 membros titulares, sendo que 16 contrariavam a norma que proibia parlamentares de serem sócios ou diretores de empresas concessionárias. Esses 16 representavam 37 empresas concessionárias: 31 emissoras de rádio e seis de televisão, sendo que quatro faziam parte da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), instalada oficialmente em 2003, e eram concessionários de 21 das 37 emissoras.
Estamos falando, portanto de Igrejas que atuam como empresas. Não à toa têm todo esse poder, e não à toa mandam na política, jogando nossos direitos na lata do lixo. É aí que entra a discussão da Reforma Política, mais especificamente, a discussão sobre uma Constituinte Exclusiva e Soberana sobre o Sistema Político Brasileiro. O nosso atual sistema político é organizado de forma a privilegiar o poder econômico. Não à toa temos um congresso tão pouco representativo da população, mas muito representativo dos empresários (das comunicações, da educação, do agronegócio), branco e masculinizado. E, se essas grandes Igrejas Evangélicas são, na prática, empresas, elas têm poder nesse sistema político.
Para além disso, existe uma discussão específica que é a do Estado Laico. A nossa Constituição prevê a laicidade do Estado, mas o que vemos na prática é justamente o contrário: setores religiosos querendo enfiar goela abaixo de toda a população seus princípios morais. É o que vemos, por exemplo, em projetos como o Estatuto do Nascituro. Como é possível que um projeto de lei que tem por base uma moral religiosa possa passar em um Estado que se afirma laico? Como é que é “tudo bem” ter candidatos com propostas como a do “kit macho” e “kit fêmea”? – vale ressaltar, aqui, que cada candidato pode ter a religião que desejar, contanto que não leve suas crenças para o âmbito da política. Leis valem para toda a população e, portanto, não podem ser baseadas em preceitos religiosos, afinal, nossa população é muito diversa religiosamente. Essas propostas citadas servem para impor a toda a população uma moral religiosa específica.
O nosso atual sistema político alimenta esse tipo de candidatura e essa forma de se fazer política, baseada no poder econômico, no poder de influência de cada grupo, e não nos interesses do povo. Nós, mulheres, só conseguiremos avançar nos nossos direitos com a mudança desse sistema político. Ao invés de sempre ficarmos na defensiva contra projetos que atacam nossos direitos, é preciso atacar a raiz do problema, e impedir que a política seja dominada por esses grupos. É por isso que a proposta de uma Constituinte para alterar o nosso sistema político é tão importante, e tão radical. Ela faz tremer as bases da nossa sociedade, porque nos possibilita fazer um questionamento crucial: nas mãos de quem está o poder em nosso país? Hoje, está nas mãos das empresas, das igrejas, de homens e brancos, e queremos que seja do povo.
Nos dias 01 a 07 de setembro, em todo o Brasil, coletaremos votos para o Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político. Queremos, com esse plebiscito, mostrar que essa política não nos representa, e que nós queremos (e vamos) mudá-la! Não deixe de participar. Chame as mulheres da escola, da universidade, do bairro, monte um comitê, uma urna, e vote!
Queremos mudar a política para mudar a vida das mulheres! Só assim conseguiremos, de fato, garantir o direito das mulheres à autonomia sobre seu próprio corpo.
Garantir o Estado Laico para garantir os direitos das mulheres! Constituinte já!